A guerra invisível: o abismo social das crianças no Brasil
Mundo Aflora Em um mundo onde todos se mobilizam em solidariedade às crianças vítimas de guerras, é necessário refletir sobre as realidades
Recentemente o Instituto Mundo Aflora apresentou os resultados do estudo do projeto VOZES! que conduziu em parceria com a PUC-SP. O VOZES! é um programa de quebra de ciclo do trauma realizado com meninas em situação de alto risco de vulnerabilidade social. Os resultados do estudo são otimistas e inspiradores. Mas indo além dos dados quantitativos e qualitativos apresentados, o que mais me marcou foi entender como a fala e a escuta, duas características tão inerentes à maioria dos seres humanos, podem ter efeitos tão desfavoráveis quando não lhes é concedido o devido espaço. Em linhas gerais, as meninas que participaram do VOZES! tiveram a oportunidade de contar suas histórias e de serem escutadas. Parece simples, não é? Mas para que elas pudessem falar sem medo e sem se auto-recriminar, sem se defender ou atacar foi preciso proporcionar um outro lado disposto a escutar com empatia e acolhimento, sem pré-conceitos ou pré-julgamentos e com muita pré-disposição.
É fundamental sentirmos que existe um espaço e um interesse genuínos pela nossa fala. Ter voz não é só ter permissão para “falar”. Ter voz é falar e ser verdadeiramente escutado, é ser considerado e respeitado como cidadão e como ser humano.
O projeto VOZES! vem como mais uma confirmação de como ter e dar voz é essencial se queremos causar qualquer tipo de mudança ao nosso redor. As meninas da Fundação Casa Parada de Taipas que participaram do programa sentiram isso na prática e no dia a dia. Se vimos resultados tão positivos em um ambiente reduzido, o que dizer então da importância de dar e ter voz para promover transformações sociais em grande escala?
E olhando para nosso país hoje, que parece estar cada vez mais polarizado, será que existe uma voz que merece ter mais espaço na nossa sociedade?
Talvez seja impossível encontrar uma única voz que represente todas as pessoas, todos os problemas e interesses de todas as camadas sociais. Mas uma voz que me parece sim falar em uníssono e que todos nós deveríamos estar preocupados em ouvir é a voz das mulheres negras.
A mulher negra no Brasil infelizmente ainda resume a realidade dos menos favorecidos da nossa sociedade. Daqueles que tem menos voz, mas que são tantos. É uma questão que vai além do debate de raça e gênero e que adentra os problemas da periferia, do sistema sócio educativo e carcerário, da violência doméstica, da desigualdade social, do emprego informal.
A ONU Mulheres, braço da ONU criado em 2010 para unir, fortalecer e ampliar os esforços mundiais em defesa dos direitos humanos das mulheres no Brasil e no mundo, aponta que:
As mulheres negras no Brasil são 55,6 milhões, chefiam 41,1% das famílias negras e recebem, em média, 58,2% da renda das mulheres brancas, de acordo com os dados de 2015 extraídos do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça.
Em cada três mulheres presas, duas são negras num total de 37, 8 mil detentas – quantidade que se elevou em 545%, entre 2000 e 2015, de acordo com o Infopen Mulher.
No quadro diretivo das maiores empresas no Brasil, as negras são apenas 0,4% das executivas – apenas 2 num total de 548 executivos e executivas.
Se a figura da mulher negra representa tanto do nosso país, por que então temos tão poucas mulheres negras com representatividade oficial? Por que damos tão pouca voz à elas para promoverem mudanças na nossa sociedade?
E não estou falando das Martas, Dianes, Ludimillas, Elzas e Karóis. Essas tem sim sua importância e méritos e, felizmente, são muitas no currículo cultural e esportivo do nosso país. Mas o que precisamos são mais, muito mais Marielles, Marinas e Djamillas.
Essas infelizmente ainda são poucas, quase que exceções.
Sem dúvida já existem importantes conquistas a caminho como a determinação de cotas de gênero nos partidos políticos e as cotas de distribuição de verbas de campanha eleitoral para candidatas mulheres e, recentemente aprovada, para candidatos negros. Nunca tivemos um número tão grande de candidatos negros e candidatas mulheres disputando as eleições municipais como temos esse ano.
Mas ainda não é suficiente.
A mulher negra precisa de muito mais espaço de influência e de tomada de decisão na sociedade e no poder público.
As mulheres negras compõem 25% da população brasileira mas ocupam somente 3% das prefeituras nos municípios do país.
Atualmente em São Paulo, dos 55 vereadores na Câmara somente 8 são mulheres. Nenhuma é negra.
Nas eleições deste ano, só 13% dos mais de 19.000 candidatos a prefeito em todo o país são mulheres. 4,5% são mulheres negras.
Dos 14 candidatos a prefeito em São Paulo, somente 3 são mulheres e só 1 é negra.
Mudar esse cenário é um assunto que não podemos mais adiar. E para isso é preciso que toda a sociedade se mobilize, que seja um desejo e interesse genuínos e coletivos.
Essa questão diz respeito a todos nós sim.
Dia 15 de novembro esta aí batendo na porta. Cada um de nós terá a chance e a responsabilidade de apertar 2 vezes o botão verde CONFIRMA. O número de candidatas mulheres negras ainda é baixo, mas não é inexistente.
Dê voz à uma representante negra na sociedade.
Voz à quem tem histórias tão importantes para contar, à quem tem direito a um espaço maior de representatividade, à quem pode mudar uma realidade que afeta todos nós.
Valeria Barbosa, colaboradora voluntária do Instituto Mundo Aflora.
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